13 de outubro de 2019

EU NÃO IA PUBLICAR ISTO. E DEPOIS IA. E DEPOIS NÃO IA. E DEPOIS PENSEI "QUE SE F***!"

Toda a gente já viu isto pelo menos num filme ou num episódio de uma série americana qualquer: uma personagem que se queixa do almoço/jantar de família no dia de Ação de Graças porque há uma tia-avó que lhe vai perguntar quando é que se vai casar. Estão familiarizados com isso?

A minha própria versão é: quando é que acabas a tese; quando é que arranjas trabalho.

A questão da tese nunca me incomodou, até ontem - exceto quando é o meu pai a perguntar. Ultimamente a questão mais frequente tem sido quando é que arranjo trabalho. Como se eu própria não me fizesse essa pergunta um milhão de vezes ao dia. Como se à minha volta já não houvesse uma placa néon com "falhada" escrito e a apontar para mim. E como se arranjar trabalho dependesse apenas de mim.

Porém nunca me incomodou que me perguntassem isso do trabalho, era só uma alfinetada. Eu respondia que ainda estava a escrever a tese - como se esse fosse um impedimento - e as pessoas aceitavam bem essa resposta.

E o que é que mudou agora? A minha prima, um ano mais nova do que eu, terminou o mestrado, entregou a tese e defendeu-a. É engenheira desde há uns meses. O meu tio, pai dessa minha prima, achou que agora teria mais bagagem para pegar com os encalhados da família - já esgotou o stock de piadas com os meus primos e eu sou carne fresca.

"Então, Lady, quando é que terminas a tese? O teu pai está com cara de quem quer festejar. Estás à espera que a tua irmã termine para depois entregares tu? É para o teu pai não ter que fazer duas festas? Mas, e essa tese, quando é que a entregas? Vais ficar toda a vida nisso?"

Estas perguntas não me aborreceria (tanto) se eu não tivesse visto o ar de incómodo do meu pai. Ele, mais que eu, é refém da pressão social. É o pai da miúda que reprovou a clarinete, da miúda que não teve notas para ir para Direito, da miúda que não passa de terceiro, da miúda que trabalha numa retrosaria, da miúda que não acaba a tese.

Um dia eu vou terminar a tese. Porque também repeti clarinete, e fiz História sem nunca me queixar, e gosto de estar na banda, acima de tudo, e o trabalho na retrosaria não me incomoda porque eu sei que sou boa naquele trabalho

E eu não ia publicar isto, ia ser mais um daqueles posts para me libertar, cheio de ressentimento e mágoa, que escrevo e acabam por ficar eternamente guardados em rascunho. Mas... e quê?

1 comentário:

  1. Não entendo mesmo a necessidade das pessoas esfregarem sal na ferida e de se fazerem superiores, especialmente entre família. Parece-me atitude de gente mal-resolvida. Hás-de acabar a tese sim, ao teu ritmo. E já agora não vejo mal nenhum em trabalhar numa retrosaria. Como a minha avó sempre disse, "vergonha é andar a roubar". Beijinhos e força

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